Diferentemente da maioria das pessoas, Bell Marques, 63 anos, não teve medo de ousar. Deixou o Chiclete com Banana, grupo com o qual arrastou multidões e vendeu milhares de discos durante nada mais nada menos que 36 anos. “Às vezes você precisa criar novos voos, precisa ousar e eu decidi tentar”, diz. Após pouco mais de um ano e seis meses, o músico se prepara para gravar seu primeiro DVD solo no Réveillon de Fortaleza, que acontece no dia 31 de dezembro, no Marina Park Hotel. Na gravação, ele divide o palco com os filhos Rafa e Pipo (Oito7Nove4) e com Wesley Safadão, e investe em novas composições. O DVD sinaliza para o futuro. “Quero que as pessoas possam enxergar dali para frente, sem olhar para trás”, afirma Bell. Em entrevista ao CORREIO, em sua mansão na Graça, ele fala sobre o novo DVD, conta novidades do Carnaval (ele puxará o Vumbora e o Camaleão), nega crise na trintona axé music e elogia os filhos. Diz também não ter arrependimento da saída do Chiclete, adianta planos de uma biografia e uma caixa especial com o melhor da banda.
Correio: Queria saber um pouco do que você está preparando para esse seu primeiro DVD solo?
Bell Marques: O DVD, na minha mente, já está pronto. Eu já me enxergo no palco com meu sapato preto e branco (risos). Acho que isso é uma coisa bacana, pois quando você consegue enxergar, se motiva e acaba passando para as pessoas e elas se envolvem. Eu tenho uma confiança plena que vai ser um DVD especial. Vai ser um marco na minha carreira, pois é o meu primeiro DVD solo, por incrível que pareça, mesmo depois de tantos anos. Estou procurando fazer uma coisa que seja a minha cara, mas voltado para o futuro. Esse é o meu futuro, é meu primeiro start, eu estou nascendo nesse momento. Quero que as pessoas possam enxergar dali para frente, sem olhar para trás.
Correio: Terá convidados especiais?
Bell Marques: Tenho como convidados dois artistas encantadores. Um deles não poderia deixar de estar presente que são meus filhos Rafa e Pipo Marques, afinal é o meu primeiro DVD. Eu tenho um orgulho, um prazer muito grande em tê-los no palco. E o outro é o Wesley Safadão. Somos muito amigos, temos um carinho grande e ele disse: ‘Como você vai gravar seu primeiro DVD e eu não vou estar?’. Sempre virei o ano tocando a partir de 1h, pois comemorava com a minha família, mas esse ano à meia-noite vai rolar o som da minha guitarra e quero que isso seja um som de energia positiva.
Correio: E o repertório? Só músicas novas ou sucessos do Chiclete?
Bell Marques: Eu trago duas músicas do meu último CD promocional chamadas Amor Bacana e Louco Amor. Venho com repertório bem diversificado, mas sempre muito alto astral. Além do disco, já lancei algumas coisas que se mostram promissoras para o Verão e que estarão no DVD. É um repertório muito leve, dançante, com muitos refrões. Depois da minha saída do Chiclete, eu vim mostrando minhas coisas, o que queria fazer, até para eu mesmo entender o que é que eu preciso mostrar às pessoas. Hoje, já me sinto preparado para gravar um DVD, pois acho uma coisa delicada. Você tem que ter um porquê para gravar um DVD.
Correio: E o carnaval? Já tem planos?
Bell Marques: Estou emocionado com o Carnaval, porque o bloco Vumbora, para a minha surpresa, é o mais vendido. Isso é muito bom. Estou com o Vumbora e o Camaleão como os blocos mais vendidos. Mas o Vumbora veio passando pelo Fortal, Carnatal, fazendo grandes eventos e ele acabou virando o bloco do prazer onde as pessoas querem estar perto. Eu acho que esse Carnaval vai ser diferente. Nós estamos preparados para receber uma quantidade de turistas muito grande e isso é motivador. Achei lindo o tema do Carnaval (Vem Pra Rua). É um convite muito especial e olha que eu gosto pouco dos temas, mas esse eu adorei (risos).
Correio: O Axé completou 30 anos em 2015. Qual a sua avaliação do gênero hoje, já que não há mais o mesmo sucesso de anos atrás?
Bell Marques: Eu acho muito difícil esses projetos musicais que acontecem hoje chegarem da forma que nós chegamos aos 30 anos. Chegamos de uma forma sólida, com grandes artistas fazendo shows lotados. Eu não diria que o axé está numa fase ruim. Existe uma instabilidade emocional da música e isso é natural. Nós passamos já por isso há alguns anos com vários outros ritmos, como o pop rock, e não podemos dizer que ele acabou. A entrada do forró e do sertanejo, com grandes artistas, é muito bom. A única dificuldade que passamos com isso é que nós recebemos, em vez de um, dois estilos ao mesmo tempo, competindo com o nosso. Mas sempre passávamos e seguíamos. Agora foi uma avalanche muito grande, mas com a entrada de 2016, nós vamos, obviamente, pegar o topo outra vez e continuar do jeito que estamos. Nós não vamos conseguir ser um sucesso outra vez, mas vamos estar estabilizados. Nós temos força e grandes artistas para mantermos o ritmo vivo. Disso eu não tenho a menor dúvida. O único erro que houve nesse processo foi que não renovamos. Mas hoje nós temos muitos artistas aparecendo...
Correio: E os teus filhos? Você sempre apoiou a ideia de seguirem o mesmo caminho que o seu?
Bell Marques: Eu disse: ‘pelo amor de Deus, isso não!’ (risos). Eles queriam, pois já estudavam música há quatro anos. Eu disse: ‘nós não gostaríamos que vocês fizessem parte do mundo musical’. Apesar de ser muito bom, quando você vive muito tempo no meio como eu, você percebe que ele é falho em algumas situações e que ele te hipnotiza. Você precisa ter um projeto de trabalho e para a sua vida. Seu projeto de trabalho é bacana, mas chega num momento que ele começa a interferir muito na sua vida. Porque
se perde o domingo, e é uma coisa tão boa ter o domingo. Mas você só percebe que ele é
bom quando você não tem há 30 anos. Mas eles disseram que queriam seguir, então, ‘boa
sorte’ . Eu não tinha outra coisa a fazer senão apoiar. E apoio sempre porque, afinal de contas, se eu não apoiar como pai, como pessoa que tem todo o conhecimento, tem toda condição de apoiar, quem vai apoiar? Sou eu que tenho que dar todo apoio. Hoje, graças a
Deus, eles estão caminhando com as próprias pernas. São meninos inteligentes, trabalhadores para caramba e não são deslumbrados. Nem são gastadores.
Correio: E o que mais te incomoda na fama é, como você disse, não ter o domingo com sua família?
Bell Marques: Eu entendo perfeitamente e atendo a todos os fãs. Não tem esse que eu não atenda. Mesmo quando estou numa situação não ideal, como estava ontem no avião sentado, com fone de ouvido, vendo um filme e alguém bate no seu ombro e pede a foto. Ou então quando tem aqueles grupos de 20 pessoas e você tira a foto com todos, mas depois querem cada um a sua foto individual. Eu acho isso um barato. Levo na
brincadeira e acabo me divertindo. Mas não resta dúvida que você perde a privacidade. Alguns momentos na minha vida. Quando meus filhos eram pequenos. eu tive que tomar algumas atitudes. Eu era visto por algumas pessoas como uma pessoa indelicada. Mas eu era claro. Não sou indelicado, sou extremamente gentil com todos os meus fãs. Mas tinha um momento que realmente me negava: quando eu estava na praia com meus filhos fazendo castelinho de areia. E outro momento ainda me nego, que é em enterro.
Correio: E a sua saída do Chiclete, foi muito bem resolvida ou alguma vez já bateu arrependimento?
Bell Marques: Muito bem resolvida, até porque não foi uma coisa em cima da hora. Não foi decidido com brigas, nem nada disso. Há uns cinco ou seis anos nós vinhamos discutindo sobre isso e eu vinha colocando meus pontos, minha insatisfação... Chegou um momento que disse: “eu vou. eu preciso abrir minhas asas e criar um novo
segmento para mim”. Não precisamos, depois de 36 anos, provar mais nada para
ninguém. Já provamos que é possível viver seis pessoas tocando a mesma música, subindo no mesmo trio. E possível viver em harmonia, dividindo quarto, viajar 100 vezes por ano... A convivência sempre foi muito boa. Aquilo tudo que passávamos no palco não
era fake. As vezes, você precisa criar novos voos, precisa ousar e eu decidi tentar. Sinto
saudades dos meus amigos, dos meus irmãos, afinal foram 36 anos. Uma banda é construída a vários braços e meus braços estavam ali construindo tudo junto. Dei metade da minha vida por aquilo, então tenho que sentir orgulho. Mas eu tinha que criar novos segmentos e hoje eu me sinto feliz porque estou construindo uma coisa que eu vinha sonhando.
Correio: E planos? Já ouvi que tem uma biografia.
Bell Marques: Não vamos falar sobre projetos porque eu tenho uns 30 (risos). Eu tenho um livro praticamente pronto, mas ele deve ter uns 15 anos. Eu procurei algumas pessoas como o Jorge Amado (1912- 2001), a Zélia Gattai (1916-2008) e o João Ubaldo (1941-2014), pois eles tinham identidade e acabariam fazendo um livro da forma que eu gostaria. Que eles contassem a história da Bahia, e eu sou baiano, então queria
que eles narrassem. Acabou não dando certo. Algumas pessoas já se interessaram em
terminar ele, mas acabei, como bom virginiano, com ciúmes das coisas, guardando no
bolso. Virginiano é um negócio...
Correio: Muitos artistas tem feito lançamentos especiais. Já pensou em uma caixa com o melhor do Chiclete com Banana?
Bell Marques: Eu não ousaria fazer isso agora. Tanto que nesse DVD não tem nenhuma música das antigas, exatamente para, de uma vez por todas, criar um novo ambiente. Quero que a separação fique bem definida na cabeça das pessoas. Eu quis
realmente romper aquele lacre. Lá na frente eu posso até vir a fazer uma homenagem ao
Chiclete com Banana. Essa possibilidade existe e já foi cogitada, mas ainda é mais para
frente, até minha carreira estar completamente definida na cabeça das pessoas.
Correio: E quado não está nos palcos, o que você gosta de fazer?
Bell Marques: Gosto de ficar com a minha família. Quando você é solteiro você tem 100% da sua vida. Quando você casa, só tem 50% e os outros 50%, no meu caso, fico com a Aninha. Depois que você tem filhos perde os seus 50% e fica sem nada (risos). Quando tenho qualquer momento, fico com eles. Me adapto á vida deles para procurar me
divertir o máximo. Quando não estou com os meninos, e hoje é um problema encontra-los, fico muito com Aninha. Estamos sempre juntos.
Entrevista para o Jornal Correio da Bahia, 04 de novembro de 2015.
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